
Quando uma pessoa passa a ser não-residente? Quais são as obrigações decorrentes da mudança de domicílio tributário?
A alteração de domicílio tributário é assunto importante e que gera muitas dúvidas, principalmente para as pessoas físicas que se mudam do Brasil para o exterior. Sob ponto de vista da legislação brasileira, a questão é disciplinada pelo Regulamento do Imposto de Renda (Decreto 9.580/2018), Código Tributário Nacional e IN SRF 208/2002.
Neste artigo, vamos esclarecer algumas dúvidas sobre esse processo, desde a definição de domicílio tributário bem como inscrição no CPF e necessidade de entrega da Comunicação e da Declaração de Saída Definitiva do País.
1. Definição de domicílio tributário perante a legislação brasileira
1.1 Domicílio tributário das pessoas físicas
O artigo 127, I do CTN determina que, para as pessoas físicas, na falta de eleição, considera-se como domicílio tributário a sua residência habitual; sendo esta incerta ou desconhecida, seu domicílio será o centro habitual de sua atividade.
O artigo 26 do Regulamento do Imposto de Renda repete essa regra e acrescenta que “residência habitual” é o lugar em que a pessoa física tiver uma habitação em condições que permitam presumir intenção de mantê-la. Acrescenta, ademais, uma regra de desempate: não sendo possível definir a residência habitual por meio desses critérios, será considerado como domicílio tributário o lugar da situação dos bens ou da ocorrência dos atos ou dos fatos que deram origem à obrigação tributária.
Quando persistir pluralidade de residência mesmo após a aplicação desses parâmetros, em último caso, poderá a autoridade fiscal fixá-la.
O conceito de residência, portanto, é o parâmetro para definição do domicílio tributário. A lei brasileira atribui domicílio tributário àquele que for considerado residente no Brasil.
Segundo o artigo 2º da IN SRF 208/2002, é residente no Brasil a pessoa física:
I – que resida no Brasil em caráter permanente;
II – que se ausente para prestar serviços como assalariada a autarquias ou repartições do Governo brasileiro situadas no exterior;
III – que ingresse no Brasil:
a) com visto permanente, na data da chegada;
b) com visto temporário:
1. para trabalhar com vínculo empregatício ou atuar como médico bolsista no âmbito do Programa Mais Médicos de que trata a Medida Provisória nº 621, de 8 de julho de 2013, na data da chegada; (Redação dada pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1383, de 07 de agosto de 2013)
2. na data em que complete 184 dias, consecutivos ou não, de permanência no Brasil, dentro de um período de até doze meses;
3. na data da obtenção de visto permanente ou de vínculo empregatício, se ocorrida antes de completar 184 dias, consecutivos ou não, de permanência no Brasil, dentro de um período de até doze meses;
IV – brasileira que adquiriu a condição de não-residente no Brasil e retorne ao País com ânimo definitivo, na data da chegada;
V – que se ausente do Brasil em caráter temporário ou se retire em caráter permanente do território nacional sem apresentar a Comunicação de Saída Definitiva do País, de que trata o art. 11-A, durante os primeiros 12 (doze) meses consecutivos de ausência.
Aqui, uma regra específica deve ser ressaltada: quem não apresentou Comunicação de Saída Definitiva do Brasil (a falta de apresentação é algo bastante comum para quem vai morar no Exterior, como veremos adiante) passa a ser considerado como não-residente, obrigatoriamente, após o transcurso de doze meses de ausência do território nacional, independentemente de seu ânimo quanto à duração da ausência.
Ou seja, não importa se o residente em território nacional deseja ficar temporária ou permanentemente no exterior: no décimo terceiro mês de ausência, passa a ser não-residente perante a legislação tributária brasileira.
E se o não-residente decide voltar no décimo quarto mês, por exemplo? O nacional brasileiro que retornar ao Brasil (caso mais comum) será considerado residente desde a chegada (artigo 2º, IV, da IN 208/2002). Consequentemente, o brasileiro não-residente pode voltar a ser residente se assim desejar.
Já a pessoa física cujo ingresso ou permanência no País esteja sujeita à concessão de visto (Lei n.º 13.445/2017) será considerada residente quando: (i) ingressar no Brasil, nos casos de visto permanente, e (ii) ao completar 184 dias, num período de doze meses, nos casos de visto temporário.
Completando essas regras, a IN SRF 208/2002 também possui regra para a caracterização da pessoa física não-residente. É aquela:
I – que não resida no Brasil em caráter permanente e não se enquadre nas hipóteses previstas no art. 2º;
II – que se retire em caráter permanente do território nacional, na data da saída, ressalvado o disposto no inciso V do art. 2º;
III – que, na condição de não-residente, ingresse no Brasil para prestar serviços como funcionária de órgão de governo estrangeiro situado no País, ressalvado o disposto no inciso IV do art. 2º;
IV – que ingresse no Brasil com visto temporário:
a) e permaneça até 183 dias, consecutivos ou não, em um período de até doze meses;
b) até o dia anterior ao da obtenção de visto permanente ou de vínculo empregatício, se ocorrida antes de completar 184 dias, consecutivos ou não, de permanência no Brasil, dentro de um período de até doze meses;
V – que se ausente do Brasil em caráter temporário, a partir do dia seguinte àquele em que complete doze meses consecutivos de ausência.
Portanto, a alteração do status da residência brasileira só ocorre pela aquisição da condição de não-residente, conforme o Artigo 3º (logo acima transcrito). O contrário também se aplica: o não-residente só se torna residente ao preencher algum requisito do Artigo 2º (anteriormente mencionado).
1.1.1 Comunicação versus Declaração de Saída Definitiva do País
Quais são as obrigações de informação ao Fisco do não-residente? Basicamente, existem duas obrigações acessórias para quem se torna não-residente no Brasil: Comunicação de Saída Definitiva do Brasil e Declaração de Saída Definitiva do País.
A Comunicação de Saída Definitiva possui a finalidade de datar o início da ausência da pessoa do território nacional, a qual se presume verdadeira por ser uma manifestação do contribuinte que servirá de base para sua condição de residente. Logo, a data informada nessa Comunicação é a data considerada para a caracterização das hipóteses de alteração da condição de residência.
Exemplo: pessoa se ausenta do Brasil no dia 27 de abril de 2018, e informa essa data via Comunicação (Art. 11-A da IN 208/2002) como data da saída. Fica provado, a partir da Comunicação, que qualquer alteração no status vai ter 27/04/18 como referência (para contar 12 meses de ausência, por exemplo).
A Comunicação de Saída Definitiva deve ser apresentada por meio de aplicativo específico, independentemente da intenção de permanecer em caráter definitivo ou não no exterior. Todavia, há uma pequena diferenciação quanto ao início do prazo de apresentação: se há intenção, desde o início, de permanecer fora do Brasil em caráter permanente, a Comunicação deve ser apresentada a partir da data da saída (pois a pessoa já sabe que vai ficar definitivamente ausente) até o último dia de fevereiro do ano seguinte. Se não há intenção, no momento da saída, de permanecer definitivamente no exterior, a Comunicação ainda assim é devida, mas a partir da data de caracterização de não-residência (normalmente no décimo terceiro mês) até o último dia de fevereiro do ano subsequente. No fim, o prazo final é sempre o mesmo, e a condição de não-residente não depende da vontade do contribuinte.
Já a Declaração de Saída Definitiva deve ser apresentada por quem adquire, ao longo do ano-referência, a condição de não-residente. Substitui a Declaração de Ajuste Anual, essa apresentada pelos residentes no País assim considerados em 31 de dezembro do ano-referência. Tal declaração deve ser entregue por meio do programa de IRPF disponibilizado pela RFB, com prazo até o último mês de abril do ano posterior ao ano da saída (nesse ano de 2020, o prazo foi prorrogado para 30/06/2020 em razão do COVID-19).
A Declaração de Saída Definitiva ocasiona a necessidade de recolher em quota única, até o último dia para a apresentação da Declaração de Ajuste Anual, o imposto apurado (não há possibilidade de parcelamento). Por outro lado, todos os demais créditos tributários relacionados à pessoa física devem ser quitados até essa data.
Importante: a RFB sempre destaca que a apresentação da Comunicação não dispensa a apresentação da Declaração, e vice-versa. São duas obrigações distintas, com hipóteses de obrigatoriedade de entrega também distintas.
1.1.2 Situação do CPF de quem passar a ser não-residente no Brasil
A transformação da condição de residente em não-residente de uma pessoa física não é motivo, por si só, para cancelamento do CPF, como muitas pessoas imaginam. O agora não-residente continua com seu cadastro plenamente ativo e regular, sendo que nem todos os não-residentes são obrigados a manter o CPF.
Assim, o não-residente pode cancelar seu CPF depois de apresentar a Comunicação e a Declaração? Sim, exceto se ele se enquadrar nas hipóteses do Art. 3º, II, da IN 1.458/2015. Dentre os casos mais comuns, destacamos: possuir, no Brasil, bens e direitos sujeitos a registro público, como imóveis, veículos, embarcações, aeronaves, participações societárias, contas-correntes bancárias, aplicações no mercado financeiro e aplicações no mercado de capitais (mesma disposição do Artigo 5º da IN SRF 208/2002).
Nesses casos, a manutenção da inscrição do CPF é obrigatória, sendo importante consultar um profissional porque o rol de bens que obriga à manutenção do CPF inclui os bens mencionados, mas pode incluir ainda outros, conforme a legislação da época.
Dessas regras, surgem duas interessantes consequências:
- O cancelamento do CPF do não-residente é uma opção, desde que fora dos casos especificados acima; e
- O não-residente pode continuar a ter renda originada no Brasil sem ter CPF.
Na prática, quando o não-residente não é obrigado a manter seu CPF, normalmente ele também não tem renda oriunda de fonte situada em território nacional. Mas, isso não é uma regra absoluta e não ocorre, por exemplo, se o não-residente é empregado no Brasil e presta seus serviços no exterior (por meio da internet). Nesse caso, se o empregado não possuir os bens e direitos mencionados acima (nem conta-corrente no Brasil, algo plenamente possível, pois ele pode receber sua remuneração por meio de conta bancária no exterior), ele não precisa ter número de CPF.
1.1.3 Tributação da pessoa física não-residente no Brasil
Adquirida a condição de não-residente, como fica a sua obrigação de declarar e recolher imposto de renda?
A tributação de não-residente é sempre feita na fonte, ou seja, realizada (retida) pela pessoa que paga os rendimentos. A alíquota varia de acordo com a natureza da renda. Exemplos: para a renda oriunda do trabalho (com ou sem vínculo de emprego), o valor é de 25%. Para pagamentos de royalties e serviços técnicos, a alíquota diminui para 15%. Os rendimentos vinculados à pesquisa de mercado para produtos brasileiros de exportação ou decorrentes de participação em exposições têm alíquota zero (artigos 36, 37 e 41 da IN SRF 208/2002).
Atenção: essas alíquotas podem ser maiores se o não-residente tem domicílio tributário em país com tributação favorecida. Quais são esses países? Aqueles que não tributam a renda ou tributam em alíquota inferior a 20% conforme artigo 1º da IN RFB 1.037/2020. Nesses casos, a retenção passa ser de 25%, podendo ser reduzida para 17% no caso da Portaria MF 488/2.014.
A distribuição de dividendos, por sua vez, não sofre nenhuma espécie de retenção para o não-residente, nos termos do artigo 10 da Lei 9.249/95. Essa isenção poderá acabar se houver aprovação do PL 9.636/2018 ou do PL 2.015/2019.
Nesse cenário, qual é a obrigação do não-residente de declarar seu imposto de renda no Brasil? Deve o não-residente, com ou sem cadastro de CPF, apresentar Declaração de Ajuste Anual? Não; o não-residente não pode mais apresentar a Declaração de Ajuste Anual apresentada pelos residentes, nos termos do tópico 160 do Manual de Perguntas e Respostas sobre IRPF da Receita Federal. Em substituição, ele deve apresentar a Declaração de Saída Definitiva, uma vez só, relativamente ao período do ano-referência em que adquiriu a condição de não-residente.
Ex: a Declaração de Saída Definitiva apresentada em 2020 refere-se ao período do ano-calendário 2019 em que a pessoa era considerada residente no Brasil. Assim, se a pessoa adquiriu a condição de não-residente em 30 de abril de 2019, a referida Declaração abrangerá os rendimentos percebidos apenas até essa data.
E como fica a pessoa física não-residente que teve retenção de imposto de renda na fonte? Ela pode compensar esse imposto pago com o imposto devido no exterior quando houver (i) tratado entre os países para eliminar a bitributação ou mesmo na ausência de tratado, ou (ii) aplicação de reciprocidade (caso da Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos). Ou seja: o não-residente no Brasil passa a ter obrigações de declaração de imposto sobre a renda exclusivamente no país onde reside e pode, nesse país, pedir compensação do imposto pago no Brasil para evitar a bitributação. Trata-se de aplicação do princípio world-wide income, ou, tributação em bases universais, adotado pela maioria dos países.
Existe alguma multa para a não apresentação da Comunicação ou da Declaração no prazo? Sim: para cada obrigação não cumprida ou cumprida fora do prazo, existindo imposto devido, haverá multa de um por cento ao mês ou fração de atraso calculada sobre o valor do imposto devido, observado o limite mínimo de R$ 165,74 (cento e sessenta e cinco reais e setenta e quatro centavos) e máximo de vinte por cento do valor do imposto devido. Não existindo imposto devido, haverá somente multa de R$ 165,74 (cento e sessenta e cinco reais e setenta e quatro centavos).
Ponto interessante. Considerando que a lei brasileira atribui a existência de um domicílio tributário em território nacional, nos primeiros doze meses, para a pessoa física que se ausenta sem preencher a Comunicação de Saída Definitiva, essa pessoa terá de oferecer à tributação, como residente no Brasil, os rendimentos auferidos no Exterior, inclusive de fontes não situadas no Brasil.
Esse ponto é relevante porque, nesses primeiros doze meses, não é necessário que a fonte seja brasileira para que o rendimento possa ser tributado no Brasil. Com isso, pessoas que prestam serviços ou celebram vínculo empregatício no Exterior, nos primeiros doze meses de ausência, podem ser surpreendidas com o custo tributário relativo à renda obtida nesse período.
Destaque final: não confundir obrigação de manter CPF com obrigação de declarar imposto de renda do não-residente. O não-residente pode ser obrigado a manter seu cadastro de CPF (como analisamos acima), mas não pode mais declarar imposto de renda a partir da caracterização da não-residência.
1.2 Domicílio tributário das pessoas jurídicas
A definição do domicílio tributário da pessoa jurídica é tarefa um pouco mais simples, pois a empresa não tem a mobilidade característica da pessoa física. Ademais, sua existência depende de prévio registro em alguma jurisdição. O artigo 217, II do CTN estabelece que, no Brasil, na falta de eleição, o domicílio tributário das pessoas jurídicas de direito privado é o lugar da sua sede, ou, em relação aos atos ou fatos que derem origem à obrigação, o de cada estabelecimento.
O Regulamento do Imposto de Renda complementa essas regras e, no artigo 202, estabelece que o domicílio tributário da pessoa jurídica para tributação da renda obedece aos seguintes critérios:
a) quando existir um único estabelecimento, o lugar onde este esteja situado;
b) quando existir mais de um estabelecimento, à opção da pessoa jurídica, o lugar onde esteja situado o estabelecimento centralizador das suas operações ou a sede da empresa no País.
Para o estabelecimento do domicílio tributário da pessoa jurídica que deve fazer a retenção de imposto de renda na fonte, a regra é utilizar o lugar do estabelecimento matriz da pessoa jurídica que pagar, creditar, entregar, remeter ou empregar rendimento sujeito ao imposto sobre a renda no regime de tributação na fonte.
1.2.1 Declaração e tributação da pessoa jurídica não-residente
Obviamente, uma pessoa jurídica constituída no exterior não será residente no Brasil para efeitos fiscais. Não obstante, sua renda, dependendo do caso, deverá ser integrada à renda auferida pela pessoa jurídica constituída no Brasil. Quando isso ocorre? Quando essa empresa do exterior é filial, sucursal ou coligada da empresa brasileira (artigo 25 da Lei 9.249/95). Trata-se da aplicação do mesmo princípio da tributação em bases universais, agora para as pessoas jurídicas.
Portanto, a questão que demanda mais atenção no caso das empresas não é saber se elas são ou não domiciliadas no Brasil (pois isso é fácil de ser verificado em razão da incorporação em território nacional). A questão é saber se as empresas domiciliadas no Brasil devem ou não agregar à base de cálculo brasileira a renda obtida por meio de uma empresa coligada estrangeira.
Apesar de muito interessante, a apresentação das regras de tributação da empresa situada fora do território nacional foge ao escopo central desse artigo e será explorado em artigo específico.
2. Domicílio fiscal e bitributação
Observa-se, portanto, que o domicílio tributário é critério fundamental para que um país tribute os rendimentos de uma pessoa (física ou jurídica).
Porém, pode haver domicílio tributário em duas jurisdições ao mesmo tempo? Sim; nesse caso, não havendo tratado específico ou aplicação do regime de reciprocidade, haverá bitributação.
Esse tópico também será explorado em artigo específico.
Autores:
Jefferson Ramos Brandão, OAB/PR 27.617. Ramos Brandão NL. Mestre (Advanced LL.M.) em Direito Internacional Tributário pelo International Tax Center Leiden (ITC-Leiden), Leiden University, Países Baixos. E-mail: ramosbrandao@ramosbrandao.adv.br
William Guimarães Cyrelli, OAB/RS 76.361. LinkedIn. Mestre (Advanced LL.M.) em Direito Internacional Tributário pelo International Tax Center Leiden (ITC-Leiden), Leiden University, Países Baixos. E-mail: wgc@tozzinifreire.com.br


